A ficção e a realidade de Nove Noites



Vamos descobrir uma época e "noites" diferentes das que vivemos.
 No fim da década de 1930 um grupo de antropólogos veio dos Estados Unidos para estudar grupos indígenas brasileiros. Jovens, estes antropólogos vieram graças a uma parceria entre o governo brasileiro e a Universidade de Columbia. A história de NOVE noites investiga a misteriosa morte de um antropólogo americano, Buell Quain, que se suicida após uma estada com os índios krahô, no Brasil, quando subitamente regressava à civilização. No meio da floresta, Quain, sem motivos aparentes, retalhou-se e enforcou-se na frente de dois índios horrorizados que o acompanhavam na volta para a cidade de Carolina.
Este é o ponto de partida da narrativa, um caso trágico, até mórbido, perdido nos anos e na memória.
O narrador / confessor do antropólogo responde pela parte ficcional de Nove Noites, ao passo que o próprio Bernardo Carvalho encarna e responde pelo lado jornalístico, do levantamento de dados que indiquem os reais motivos que levaram Buell Quain a dar cabo de sua existência. Não se sabe quem investiga, até porque ninguém nunca lhe perguntou a razão da sua curiosidade. Há a desculpa de querer escrever um livro, que vai adiantando para não levantar suspeitas.
A mistura que o autor tenta levar a termo é extremamente interessante como recurso literário: insere fotos e personagens da década de 1930 na história, como pessoas reais ou imaginárias, o leitor nunca sabe exatamente onde está pisando. Pela sua mão somos guiados por entrevistas com pessoas que privaram com Quain, arquivos públicos, e memórias deixadas em cartas, escritas pelo suicida antes de morrer, e por um seu amigo, com quem partilhou nove noites de conversas e revelações.
São vários mistérios que se interligam, e adensam a narrativa, em que o leitor partilha a claustrofobia e evasão de identidade das personagens.
Da mesma forma, Bernardo Carvalho abre um campo de especulação na mente do leitor, não somente sobre os motivos que ocasionaram a morte de Buell Quain, mas principalmente sobre o significado e as consequências da transferência de um jovem norte-americano para o interior das florestas brasileiras. O autor junta habilmente a realidade e a ficção, o romance e a investigação que desenvolveu sobre os índios e sobre o antropólogo. Como nos diz o próprio autor nos agradecimentos "é uma combinação de memória e imaginação, - como todo o romance, em maior ou menor grau, de forma mais ou menos direta".
Em outras palavras, Nove Noites é um excelente exemplo de nem sempre salutar choque cultural!

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